domingo, março 30

Porque entrar num ônibus lotado

Bem, após 4775193748629034571093,015 dias sem atualizar, resolvi que era hora de voltar, não é? Afinal de contas, não posso abandonar leitores que tanto prezam este humilde mas altivo blog e que, em muitos casos, dependem da leitura constante dele pra que possam sobreviver nesse mundo irracional.

Tendo dito estas sábias palavras, voltemos à rotina de refletir sobre os fatos do cotidiano. Este, em particular, já faz um tempo que quero compartilhar com outras pessoas, porém a falta de tempo (que, se vocês bem se lembram, há alguns posts atrás eu reclamava que tinha de sobra) me havia impedido de fazê-lo. Pois bem:

Algumas vezes o ônibus é um ótimo local para se refletir. Outras, é só um motivo para reclamar. Num dia em especial ele foi a razão para que me ocorresse o inusitado pensamento: "Ei, até que pegar ônibus lotado tem lá suas vantagens". Devo confessar que o começo da "viagem" não indicava em nada que eu terminaria com essa idéia: era uma sexta-feira à tarde e, ao invés de voltar pra casa, eu já tinha ido à aula, corrido no Centro pra enfrentar um Procon e estava indo outra vez para a universidade, onde me esperava uma longa tarde ainda. Adicione o calor e a roupa nada favorável ao clima que eu usava. E à tudo isso, claro, o ônibus lotado. Tão lotado, de fato, que não era possível passar da catraca, e eu me vi obrigada a ficar na parte da frente. Levando em consideração que se tratava de um ônibus que tem escrito de todo tamanho na frente "UFMG", deduz-se que todos os que se aventuram naquele ninho só podem ser estudantes que têm o tal local como destino.

É então que eu vejo uma velhinha. E outra velhinha. E outro velhinho. O que diabos estava acontecendo, eu não entendia, mas já fui ficando p* da vida porque os pequenhos idosos, que têm passe-livre e podem pegar quantos malditos ônibus quiserem, estavam justamente em um veículo que muitos outros pobres coitados estudantes eram obrigados a pegar e ainda pagar para tal (diga-se de passagem bem caro). Estou eu mergulhada nesse pensamento, quando vejo a velhinha se encolher toda na cadeira pra apenas uma pessoa e chamar sua cumádi pra sentar também. "Oh, que gracinha!", pensei, "mas bem que podia ter feito isso em outro ônibus, né?". E lá vou eu, com a melhor cara mal-humorada possível, refletindo sobre a vida, o universo e tudo o mais.

E de repente me chega aos ouvidos o melhor diálogo já ouvido por mim (provavelmente; agora não estou me lembrando de todos):

- Aí eu falei com o dentista pra fazer outra. Aquela apertava e esquentava, parecia que minha boca tava pegando fogo!
- Ah, tá certa, essas coisas tem que olhar direito, mesmo. Quanto tempo você tá com essa?
- Ah, desde 2002.
- Tá nova, então, né?
- É... Mas ela tá com uns defeitinhos, tá vendo? Esse dente aqui, ó.
- Mas dentadura tem que ser assim, mesmo. Se ficar muito certinha dá pra ver que é dentadura. É melhor quando tem um dente torto, meio separado...

A outra fez uma cara mais ou menos concordando, mas não parecia nem ter acompanhado o raciocínio da colega de década de nascimento.

Eu ainda fui tentando pensar em como elas tinham chegado naquele assunto: será comum na velhice? Será que os tópicos principais são quem morreu, dentadura, peruca, conta de farmácia e os suspiros de "Ah, já não se fazem coisas como antigamente"?

Embora não justificasse o fato das duas vovós estarem num ônibus tipicamente povoado por estudantes (e isso elas não eram: cadê os livros, cadernos e reclamações quanto ao bandeijão e reitores?), àquela altura eu já estava de certa forma satisfeita por ter podido escutar a conversa.

Elas desceram em frente à Faculdade de Odontologia.

*Ao som de Fernanda Porto e Chico Buarque - Roda Viva

domingo, março 2

When I'm 64

De vez em quando a gente topa com uns eventos que nos fazem relembrar a maldita frase: "estou ficando velha".

Minha última semana teve várias demonstrações disso: primeiro vemos que "nossos calouros" na faculdade são dos anos 90, aí tem o fato de você simplesmente não se perder mais nos corredores, piora quando você vê aglomerações de jovens (sim, porque todo mundo começa a parecer jovem) falando alto e rindo descontroladamente... e finalmente: quando calourada é uma palavra abominável aos seus ouvidos.

Tudo bem, eu admito que eu acabei indo e fazendo parte da festinha. E, na verdade, a coisa teve seu lado positivo: agora eu tenho certeza que detesto muito tudo isso. Só para ilustrar o estado das coisas, vou citar as palavras de uma colega de classe que servem muito bem pra dar uma idéia de como estavam os hormônios dos university newbies: "Sai da frente! Não estou em micareta!".

Apesar de tudo acima citado, o Troféu "Eu confesso, sou teenager" (sim, acabei de inventar um prêmio pra essas coisas) vai para a garota na sala de espera do dentista. Meu humor já não estava bom: tinha acordado cedo pra ter aula numa turma de pessoas que cultivam um estilo de vida à la Malhação, estava esperando (pra quem não sabe, esperar e ficar na dúvida estão no topo das coisas que eu mais odeio em todo o universo) há 2 horas e, ainda por cima, estava tentando terminar/começar uma leitura acadêmica, lutando contra as pálpebras que insistiam em cair. Nesse contexto maravilhoso, me chega a menina. Claro, logo ela tirou um celular da bolsa (quem vive sem celular?) e começou a futricar o aparelho. De repente ela começa a falar. E, tão repentinamente quanto começara, ela para. Uns 10 segundos depois a cena se repete. E depois de novo. Aí me caiu a ficha: 3 segundos!

Entreguei meus pontos. Preferi seguir consultório adentro e assistir a dentista colocando/instalando o aparelho no meu irmão. Show de horrores por show de horrores, pelo menos ali estava mais perto da janela. Qualquer coisa, era só pular.


*Ao som de Sonny and Cher - I Got You Babe